Nacos da História Gaúcha - Honório Lemes " O Leão do Caverá"

Maragatos de Honório Lemes " O Leão do Caverá "  na revolução de 1923
Crédito da Foto : http://jornaloexpresso.wordpress.com/2012/07/01/partidos-politicos-ja-foram-agremiacoes-serias/


Honório Lemes da Silva, conhecido a partir de 1923  como "O Leão do Caverá" - tropeiro e proprietário de pequena estância, vivia exclusivamente de seu trabalho modesto e honrado.

 Entretanto, patriota, liberal convicto, admirador de Gaspar da Silveira Martins, ao rebentar a revolução federalista, em 1893, Honório tudo abandonou para ingressar como simples soldado nas fileiras revolucionárias.

Terminado o movimento armado, em 1895, era Honório Lemes da Silva, coronel, posto a que recebeu graças aos seus conhecimentos da terra,  sua inteligência estratégica e o destemor de guerreiro, embora era um simples homem do campo , jamais concordou com as decapitações (praticadas em ambos os partidos em luta ) e outros horrores  daquela revolução  - a mais desumana da História do Rio Grande do Sul.


 Tinha apenas 29 anos de idade ao começar o movimento e 31 ao terminar a luta. Radicou-se, então, em Vacaquá, dedicando-se inteiramente às lides campeiras. Tropeiro de profissão, conhecia o Rio Grande do Sul como poucos. Foi o tipo perfeito do vaqueano.

Pouco depois casava pela primeira vez. Deste matrimônio teve os seguintes filhos: Adalgiza, Gaspar, Ambrosina, Joaquim, Aquino e Nolo, que sempre o acompanharam, a partir de 1923, nos movimentos revolucionários de que participou.
 Destemidamente, o velho lutador, também depois ficou conhecido como "Tropeiro da Liberdade". Do seu segundo casamento, com dona Adalgiza da Silveira Goulart, cerca de 25 anos mais moça do que ele, nasceram duas filhas: Donatila (falecida quando criança em 23 de junho de 1926), e Sueli.

Este casamento aconteceu certamente, às antigas tradições de amizade entre Honório Lemes e o pai de  Adalgiza, o estancieiro Fulgêncio da Silveira Goulart, cujos filhos brincavam juntos quando criança, sendo a filha mais velha de Honório - Adalgiza - também, quase da mesma idade da segunda espôsa, Adalgiza Goulart.


Ao estourar a revolução de 1923 em 25 de janeiro, Honório Lemes não compareceu logo ao campo da luta. Somente a 14 de fevereiro, foi que o coronel de 1893, chefe federalista em Rosário do Sul, surgiu no cenário com 300 homens reunidos, municiados e armados à sua custa, estabelecendo seu Quartel General no Caverá.

Ativo, vigilante, calmo, valoroso e audacioso, profundo conhecedor do gaúcho da campanha,  foi fácil para Honório conquistar as massas campesinas.

 Formou, assim, o 2º Corpo do Exército Libertador, também conhecido por "Divisão do Oeste". Foi o corpo revolucionário das mais ousadas manobras durante a campanha de 1923. Inúmeros foram os combates que sustentou, quase sempre saindo vitorioso , desde as Missões até São Gabriel, Bagé e Dom Pedrito, e toda a região de Rosário do Sul a Santana do Livramento.
Honório Lemes da Silva foi o tipo mais completo do guerreiro do Rio Grande do Sul , reto, ordeiro, honestissimo, ousado, valente e  de boa fama . Possuía uma alma enorme e um coração de ouro.


Mais de uma vez, passando por pequenos povoados de meia dúzia de casas, ocupadas apenas por mulheres e crianças porque os homens haviam sido arrebatados pelas forças inimigas, Honório mandava fornecer para àquelas famílias sem ninguém, tudo quanto era possível para que não perecessem de fome e miséria. Sacrificava sua gente para alimentar os inocentes, embora adversários.
E - ai do soldado que abusasse da fragilidade de uma mulher! Houve casos, e um ficou registrado em ordem do dia, mandado para fuzilar um soldado que, aproveitando-se da situação de vencedor, invadira um lar e abusara da dona da casa.

Terminada a revolução de 1923, com o Tratado de Pedras Altas que ele também assinou, voltou o velho guerreiro, o Tropeiro da Liberdade, o Leão do Caverá, à sua vida de campeiro completamente pobre, nos campos de propriedade do Sr. Bernardo Domingues em Rosário do Sul continuando suas atividades sempre simples e modesto em pobre rancho erguido em terra alheia.

 Em Mil novecentos e vinte e quatro, vinte e cinco e vinte e seis, as verdes campinas Rio Grande do Sul se viram novamente tomadas por movimentos revolucionários.
 Em 1925, pela sua finalidade, incorporou-se Honório Lemes. De curta duração, o movimento armado terminou praticamente com a prisão de Honório no Passo da Conceição em setembro.
 O rio estava cheio e não dava vau. Honório tinha pelas costas o caudal do Ibicuí cheio saindo de seu leito, e pela frente as forças armadas bem municiadas e superiores em número de Flores da Cunha.

 A situação era trágica. A luta seria o sacrifício total e inútil de seus guerreiros.
Nos limites entre Rosário do Sul, Alegrete e Santana do Livramento há uma região de cerros, chamada Serra do Caverá, onde, entre outras maravilhas geológicas e históricas, encontram-se pequenos cerros-testemunha como esse. Essa região era o ambiente de vida de Honório Lemes (1864-1930), conhecido como o Leão do Caverá, um personagem notável na história do Rio Grande do Sul no início do século vinte.
 Resolveu, pois e então Honório enviar um recador ao General Flores.
 - Por que não quer o Honório pelear? - perguntou Flores da Cunha.
 - Disse que é loucura matar sua gente numa luta desigual e tendo às costas o rio cheio, sem vau.

- Pois então, que se renda sem condições.

E Honório Lemes da Silva, sacrificando-se para poupar seus homens, apresentou-se a Flôres da Cunha que o recebeu cavalheirescamente, pois Flôres, apesar de tudo era também sentimental comovido pelo gesto do adversário que se sacrificava para salvar a vida de seus comandados.

Conversaram. E quando Honório lhe quis fazer entrega de suas armas Flores da Cunha, repetindo o gesto de David Canabarro - quando Bento Gonçalves se apresentou preso por ter morto em duelo seu companheiro Onofre Pires.

 Flores da Cunha não as aceitou  repetindo o gesto de Canabarro.
- Guarde-as general que eu vou tratá-lo de igual para igual.

 E o velho guerreiro que tantas vezes vira a morte de perto sem o mínimo temor, sentiu úmidos os olhos e disfarçando como se fosse  fazer um palheiro, baixou a cabeça sem saber que dizer.

Tratado com respeito e consideração foi remetido para Porto Alegre, onde em outubro de 1925, deu entrada como prisioneiro no Quartel do 2º Corpo da Brigada Militar.
 Durante a Revolução de 1923 por onde quer que Honório passasse era ovacionado e nas cidades que tomava ,muitas vezes sem um tiro, era recebido com grandes manifestações populares.

Tarcisio Costa Taborda, juiz e fundador do Museu D. Diogo de Sousa, de Bagé ("O Imparcial", de São Gabriel, 22 de junho de 1951, artigo "Ontem e Hoje - As duas Orações de Honório Lemes"), conta-nos que "numa de suas visitas a Bagé, recebeu o grande revolucionário manifestação estrondosa.

 O povo recepcionou-o na estação e nos braços levou-o até o Hotel do Comércio onde foi hospedado. Ali falaram vários oradores que engrandeceram o herói e a causa. Cabia ao General Honório o agradecimento.
Na sua singeleza, disse da luta e dos lutadores -.. Falou nos bageenses e agradeceu a manifestação que lhe faziam ,concluindo: 

- "Meu coração é um potreiro onde o vosso amor corcoveia".

Naquele mesmo dia, após a manifestação, Honório saiu do hotel e se dirigiu à catedral de São Sebastião de Bagé. Aí, conta-nos ainda o Dr. Tarcísio Costa Taborda, que o revolucionário procurou o vigário, Mons. Costábile Hipólito, perguntando: - "Seu Vigário, onde está minha madrinha?"

O sacerdote que ficara por instantes sem compreendê-lo, levou-o afinal ao altar da Virgem da Conceição.
Aí depositou Honório as flores que recebera e caindo de joelhos rezou em voz alta, assistido apenas pelo vigário: -
"Minha Madrinha, eu trouxe para Ti estas flores que ganhei, porque é por Tua causa que eu ganho tanta glória.

Eu Te agradeço por tudo".

 E levantou-se, saindo, sorridente, do velho e tradicional templo.
Preparava-se a Revolução de 1930 que estourou simultaneamente em todo o Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil, na tarde de 3 de outubro.

 Honório Lemes, o grande general de 1893, de 1923 e de 1925, não podia ficar esquecido. E foi o General Flores da Cunha quem o mandou procurar para saber de sua opinião a respeito do movimento que se tramava de caráter nacional.

Estava ele entretanto, doente. Apesar disso, não se omitiu escrevendo o seguinte bilhete ao General Flores:

 "Endereço-lhe para escrever-te Adalgiza Silveira Goulart, Estação Porteirinha.
- Eu estou com o Rio Grande em defesa dos seus direitos, para todos os, fins". Não pude, entretanto, comparecer.

 A 30 de setembro daquele ano de 1930 fechava os olhos, sonhando ainda com a revolução para a qual fora convidado.

 Após sua liberdade em 1927  Honório Lemes  cuja família fora residir em casa de um parente em Taquari, para lá ele seguiu.
Pobre, sem um vintém sequer no bolso, não sabia o que fazer. Mas não desanimou. Jamais desanimava. Foi quando lhe ofereceram sem lhe exigir a mínima garantiaalgumas tropas para vender.

E  Assim recomeçou a vida na gloriosa terra natal de David Canabarro: vendendo gados alheios em troca de modesta comissão. Vendeu muitas tropas e, com o resultado, embora pequeno voltou para Rosário do Sul e aí, ainda em terra alheia herdada do Barão de Irapuá na parte pertencente a uma neta casada com o Sr. Bernardo Domingues  construiu com as próprias mãos o ranchinho em que viveria até poucos meses antes de sua morte .

 Na  casa do sogro, Sr. Fulgêncio Silveira Goulart, sendo sepultado em Rosário do Sul. Em seu modesto monumento mortuário Lemes  além do nome de herói - Honório Lemes da Silva – está escrito estas datas:
 "Nascido a 23 de setembro de 1864 e falecido a 30 de setembro de 1930".

 Honório havia nascido em Cachoeira do Sul, filho de modestos agricultores, plantadores de arroz e criadores em pequena escala.

 Quase analfabeto, escrevendo muito mal apesar de ter letra bastante boa  o herói de 1923 e 1925, vindo doa ideais federalistas de 1893, era, contudo, um pensador, amigo da boa leitura, inclusive de poesias, sabendo de cor o poemeto campestre de Amaro Juvenal "Antônio Chimango" que costumava recitar entre amigos.

 Estrategista notável, guerrilheiro seguro, ao adoecer gravemente, fora transportado, contra sua vontade para a casa de seu sogro na Estação Porteirinha.
 O mal da tuberculose pulmonar, aos 65 anos de idade - não tinha mais cura. Entretanto, sonhava ainda com a vida e a guerra que se aproximava, a de 1930.

O médico lhe recomendara todo cuidado e absoluto repouso.
 - Cinco dias são bastante, doutor. - disse, então.

Não eram. Muitos mais requeria a Medicina. Então Honório não se conteve:

 - Mais o que é isto é impossível, doutor. Então o Rio Grande vai levantar-se todo e eu fico aqui, atirado, como um mulambo sem vida?

... Dias depois, falecia. Desaparecia dentre os vivos o "Leão do Caverá", o "Tropeiro da Liberdade", cercado pelos seus, pensando na liberdade do Rio Grande do Sul e do Brasil, libertação que, entretanto, se transformaria em grilhão contra o qual certamente, o "velho" General Honório Lemes da Silva, se não houvesse falecido, se ergueria ao lado do "velho" Borges de Medeiros, seu antigo inimigo político, como se novamente tivesse os mesmos 29 anos com que ingressara na luta de 1893.

Fonte do Texto : Origem: Material recolhido do livro Construtores do Rio Grande, autoria de Walter Spalding. Livraria Sulina Editora, 1969.

Publicado na Página do Gaúcho .
Nacos da História Gaúcha - Honório Lemes " O Leão do Caverá" Nacos da História Gaúcha - Honório Lemes " O Leão do Caverá" Reviewed by Unknown on novembro 01, 2012 Rating: 5

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